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Diferimento do Contraditório e sua Legalidade


1. INTRODUÇÃO Dentre os princípios que compõem a tutela constitucional do processo; juntamente com a denominada jurisdição constitucional das liberdades (mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, etc.); por vezes encarados, escorreita e indiscutivelmente, como verdadeiras garantias constitucionais - exceção se faça ao princípio do duplo grau de jurisdição, que ainda encontra interpretação conflitante na doutrina, entendendo alguns ser o mesmo apenas um princípio (posição majoritária), e outros abarcando a ideia de garantia (posição minoritária) -, o contraditório, exsurge, como um dos mais relevantes princípios constitucionais do processo, importando asseverar; nas palavras do emérito doutrinador Cândido Rangel Dinamarco que, “este traz em sua essência um dos componentes do próprio regime democrático, a saber: a participação dos indivíduos como elemento de legitimação do exercício do poder e imposição das decisões tomadas por quem o exerce”. Nesses moldes, como é cediço, para cumprir a exigência constitucional do contraditório, todo modelo procedimental descrito em lei deve elencar momento apropriado para que cada uma das partes peça, alegue e prove. Não obstante ao delineado, tendo extremada importância no modelo constitucional processual face à sua imprescindibilidade, tal princípio-garantia, em determinadas situações, tem sido; não raramente, postergado no tempo caso ocorram determinadas circunstâncias, havendo alteração do momento para a ciência e possibilidade de antítese do réu. Assim, emerge deste ponto o cerne da discussão proposta; logrando verificar em que circunstâncias - fáticas ou jurídicas - pode ocorrer o diferimento do contraditório, buscando, inclusive, ponderar a constitucionalidade, e até legalidade, desta forma excepcional de atendimento à garantia em tela, sem perder de mente a natureza do princípio, às razões pelas quais foi criado, e sua importância do ponto de vista processual. 2. O CONTRADITÓRIO COMO PRINCÍPIO E GARANTIA CONSTITUCIONAL DO PROCESSO Primordialmente, logrando compreender a natureza do instituto, urge aclarar o que vem a ser princípio. Muito embora não haja na doutrina unanimidade quanto ao conceito, inicialmente, faz-se importante destacar que, entende-se; na ciência jurídica processual, por princípio, toda premissa que busca dar lógica, racionalidade ao funcionamento do processo, possuindo, diferentemente da regra, baixa densidade normativa e elevado índice de abstração. Assevera o Professor Cândido Rangel Dinamarco que, os princípios em que toda ciência se apóia são dados exteriores a ela própria, pelos quais ela se liga a uma área de conhecimento mais ampla; são premissas que determinam o seu próprio modo-de-ser e dão-lhe individualidade perante outras ciências, constituindo-se em raízes alimentadoras de seus conceitos e de suas propostas. Entende também o Professor José de Albuquerque Rocha que os princípios desenvolvem três funções no direito em geral e no direito processual em particular, a saber: a) função fundamentadora, b) função orientadora da interpretação, e c) função de fonte subsidiária; significando consecutivamente: a) os princípios são idéias básicas que servem de fundamento ao direito positivo; b) os princípios servem de guia de orientação na busca de sentido e alcance das normas, e c) em casos de lacunas na lei, os princípios atuam como elemento integrador do direito. Assim, finaliza concluindo que princípios gerais do direito processual são proposições 1 / 6 Diferimento do Contraditório e sua Legalidade fundamentais e gerais desse ramo jurídico que desempenham funções em relação à realidade a que se referem, e por consequência às normas, possuindo, em sua essência, valores morais, políticos e jurídicos de determinada sociedade. Assim, ultrapassados os esclarecimentos acerca do que se entende por princípio, convém conceituar em que consiste o princípio do contraditório. Consagrado pela primeira vez no direito constitucional brasileiro juntamente com o princípio da ampla defesa, no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal de 1.988, o princípio do contraditório é constituído, em síntese, por dois elementos; a saber: informação e reação - esta meramente possibilitada em casos de direitos disponíveis -, esmiuçando, importa dizer que com base no contraditório se faz imperativo cientificar a parte adversa de todas as razões ou documentos apresentados pela outra parte, bem como de todos os atos e termos processuais, possibilitando, consecutivamente, oportunidade, em tempo razoável, para manifestação acerca destes, com a apresentação do ponto de vista em contraposição ao que foi alegado, verificando-se, numa dialética processual que, de toda a tese desenvolvida pelo autor seja possibilitada a antítese do réu, de modo a formar a síntese do julgador. Na definição de Canuto Mendes de Almeida, “o contraditório consiste na ciência bilateral dos atos e termos processuais e a possibilidade de contrariá-los”. Observa o doutrinador Valdir Szinick que: “O contraditório forma, ao lado da ampla defesa e da igualdade, os pólos principais do devido processo legal. Ademais, na própria abrangência do conceito de processo, especialmente na noção de jurisdição, já se submete a noção de contraditório, pois quando se fala em jurisdição e processo há manifestação à reação e a participação das partes nele envolvidas”. Complementam também Ada Pelegrine Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Cândido Rangel Cintra que o princípio do contraditório também indica a atuação de uma garantia fundamental de justiça, absolutamente inseparável da distribuição da justiça organizada, o princípio da audiência bilateral encontra expressão no brocardo romano “audiatur et altera pars”. Ele é tão intimamente ligado ao exercício do poder, sempre influente sobre a esfera jurídica das pessoas, que a doutrina o considera inerente mesmo à própria noção de processo. Mister se faz observar também que, a bilateralidade da ação que produz a bilateralidade do processo é entendida como o fundamento lógico do contraditório, de modo que, consecutivamente, a impossibilidade de ser alguém julgado sem ser ouvido, perfaz o fundamento político deste princípio. Nas palavras do Emérito Professor Nelson Nery Júnior, o princípio do contraditório; melhor denominado no âmbito processual civil como princípio da bilateralidade da audiência – decorrente do princípio da paridade de armas (Waffengleichheit), haja vista possibilitar às partes se fazer ouvir durante todo o processo – além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do estado de direito, tem ínfima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar tanto o direito de ação quanto o direito de defesa. Destaca ainda o Professor Antônio Cláudio da Costa Machado que: “o direito à informação se concretiza por meio dos institutos da citação, intimação e notificação, enquanto a reação se expressa por meio de todas as formas, sem exceção, pelas quais as partes podem manifestar seu inconformismo em relação aos atos e termos do processo”. Como citado anteriormente, faz-se oportuno aclarar que, a moderna conceituação do contraditório, sustentada; entre outros autores, por Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, se baseia 2 / 6 Diferimento do Contraditório e sua Legalidade no fato de que, além dos elementos citados – informação e possibilidade de reação –, existe, obrigatória e implicitamente dentro do referido conceito, a necessidade de concessão às partes de prazo razoável para a manifestação sobre as questões de fato e de direito. Assevera ainda Carlos Alberto Álvaro de Oliveira que “a problemática não está ligada apenas ao interesse das partes, mas encontra íntima conexão com o próprio interesse público, na medida em que qualquer surpresa, qualquer acontecimento inesperado, só faz diminuir a fé do cidadão na Justiça”. Dada à relevância do contraditório e sua indispensabilidade dentro do processo, bem como sua imperatividade destacada no texto da Constituição, o mesmo é, corriqueira e inequivocamente, citado como verdadeira garantia; estando presente, inclusive, obrigatoriamente, em qualquer espécie de processo – administrativo, penal, civil, trabalhista. Curiosa exceção ao princípio do contraditório se verifica no CPC - artigo 879 e seguintes - que trata da parte que foi condenada por atentado; situação que ocorre quando há violação de penhora, arresto, seqüestro ou imissão na posse, prosseguimento em obra embargada, ou prática de qualquer inovação ilegal no estado de fato no curso do processo, ocasião em que a parte é proibida de falar nos autos até que purgue o atentado, repondo a situação anterior. Neste caso, todavia, têm-se entendido que a restrição se justifica a título de penalidade, de modo que, desfeito o entrave; causado pela própria parte, retoma a mesma suas faculdades processuais. Ponto finalizando, e inobstante à mera penalidade mencionada, a garantia do princípio do contraditório, nos moldes concebidos e delineados, remonta irretorquivelmente, a própria essência do Estado Democrático de Direito, não havendo falar-se em qualquer hipótese de dispensabilidade total e irremediável de seu atendimento, sem grave violação à própria democracia. 3. DIFERIMENTO DO CONTRADITÓRIO NO PROCESSO CIVIL E SUA CONSTITUCIONALIDADE Cediço que o contraditório é premissa de obediência indispensável ao processo; corolário do Estado Democrático de Direito, vez que forma de concessão de legitimação apta a gerar maior pacificação social, também é sabido que o mesmo pode desenvolver-se de duas maneiras diversas. Na denominada modalidade antecipada, verificada no processo comum de conhecimento, acompanha-se o desenvolvimento do processo desde seu nascedouro, sem qualquer interferência de decisões das quais não se tenha dado ciência prévia e oportunidade de antítese à outra parte, de modo que a sentença se dá apenas após a cognição exauriente promovida pelo juiz, sendo todas as decisões no decorrer do processo tomadas após o atendimento da dialética processual – tese, antítese, e síntese –, de forma que o conhecimento do julgador se forma apenas após a ampla manifestação das partes, definitivamente. Noutro pólo verifica-se a chamada modalidade diferida ou postergada no tempo; largamente utilizada em alguns casos específicos, que se caracteriza pelo cumprimento do contraditório apenas após o atendimento da ordem, fazendo o julgador nestes casos, mero juízo provisório do pedido. Em regra, observa-se o diferimento do contraditório nas decisões liminares em geral, onde há simples cognição sumária, por intermédio de alegações e provas de apenas uma das partes. Deve-se ponderar que a alteração da dialética processual nestes casos se dá em virtude da urgência da medida solicitada, todavia, para o deferimento da mesma se faz necessário, por vezes, a contracautela (ações cautelares), e em outros casos, a comprovação de reversibilidade da tutela (tutela antecipada). 3 / 6 Diferimento do Contraditório e sua Legalidade A doutrina tem se manifestado positivamente acerca da possibilidade de diferimento do contraditório nestes casos, argumentando que tais hipóteses se justificam pela urgência da tutela demandada, entendendo que o simples atendimento da dialética processual, com a antecipação do contraditório, pode importar em grave prejuízo ao demandante, podendo resultar na total ineficácia da tutela pretendida caso seja acolhida somente no fim do processo. Releva dizer também que a concessão da liminar não representa prejulgamento da causa, haja vista ocorrer apenas antecipação dos efeitos secundários da sentença no mundo fático, não prosperando aventar-se desatendimento ao contraditório, haja vista que a liminar não tem o condão de constituir direitos em definitivo, havendo sempre a possibilidade de alteração, ante o caráter de provisoriedade da medida, após a devida insurgência da parte contrária. Igualmente, nesse mesmo meandro, entendem os Professores Luiz José Carlos de Lima e José Herval Sampaio Júnior que, a cognição sumária, em sua essência; sobretudo tratando-se de decisões liminares, se deve a evidente necessidade de se valorizar a efetividade processual, no desiderato de se conseguir um processo de resultados, liberto da morosidade excessiva, de forma a trazer celeridade e efetividade ao procedimento, pois, a demora na solução dos litígios figura, como negação de justiça para o titular do direito material. Hipótese também conhecida de postergação do contraditório é o procedimento monitório, vez que a expedição do mandado de pagamento é efetuada mediante simples requerimento de quem se diz credor, após análise de requisitos formais do documento, e sem qualquer participação efetiva do devedor, entretanto, sendo o contraditório diferido, citado o réu, poderá opor embargos ao mandado monitório, com toda a defesa que poderia deduzir no processo de conhecimento, transformando-se o procedimento monitório em ordinário, sem qualquer afronta ao contraditório. Da mesma forma pode-se citar a ação de busca e apreensão em virtude de alienação fiduciária e a execução de dívidas de financiamento de bens imóveis vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação. Neste prisma, no que pertine à urgência da tutela requerida, observa o emérito Professor Vicente Greco Filho: “O conceito de igualdade, porém, não é absoluto porquanto dar tratamento igual a desiguais seria o mesmo que dar tratamento desigual a iguais”. “No mesmo sentido do conceito de justiça distributiva de Aristóteles e do princípio geral do direito vindo do direito romano, “suun cuique tribuere”, no processo civil, também repercute o mecanismo de compensações jurídicas em favor daqueles que merecem proteção especial.” Conquanto, ciente disso, a par do relativismo que guarda o próprio conceito de igualdade, há de se compreender que, o diferimento do contraditório se justifica nas ocasiões de urgência por conta da situação desfavorável e temerária em que se encontra uma das partes, ou mesmo em situações de pretensa desigualdade, de modo que a redistribuição das faculdades processuais em prazos próprios busca unicamente viabilizar o atendimento do direito material. O que não se pode perder de vista é a necessária concessão de oportunidade para que seja estabelecido o contraditório, independentemente da ocasião; é claro que, analisando-se cada caso de acordo com suas peculiaridades, e as possibilidades outorgadas pelo ordenamento. Deve-se asseverar que a Constituição Federal não exige que o contraditório seja prévio, ou mesmo que se desenvolva juntamente com ato, apenas que seja assegurado em todo o processo judicial ou administrativo, podendo-se concluir que não há qualquer inconstitucionalidade na postergação do contraditório, todavia, tendo em vista que inexiste disposição constitucional acerca das hipóteses de diferimento da referida garantia, cabe à norma infraconstitucional legitimar em que situações tal postergação se dará, sem, contudo, 4 / 6 Diferimento do Contraditório e sua Legalidade jamais descartar a obrigatoriedade de atendimento ao princípio. Pondera também, o emérito Professor Nelson Nery Júnior que, quando da concessão de medidas liminares, o princípio do contraditório sofre uma limitação, todavia, tal fato não significa a violação do princípio constitucional, porquanto a parte terá oportunidade de ser ouvida, intervindo posteriormente no processo, inclusive com direito a recurso contra a medida liminar concedida sem sua participação. Nesses moldes urge irrefutável que o diferimento do contraditório não representa violação ao princípio expressamente garantido e afiançado pela Constituição Federal, mas sim forma procedimental, com permissivos específicos delineados pela norma infraconstitucional, que busca dar efetividade ao processo, outorgando maior igualdade às partes de acordo com as peculiaridades de cada caso, possibilitando sempre, sem norma temporal estática, a ciência inequívoca de todos os atos processuais seguida da possibilidade de manifestação contrária. 4. CONCLUSÃO Inicialmente, indubitável considerar que o princípio do contraditório, tal como difundido tradicionalmente, ciência seguida da possibilidade de manifestação/insurgência, é garantia inafastável do Estado Democrático de Direito; ante sua relevância e adequação à própria essência deste, de modo que, impossível vislumbrar-se julgamento definitivo sem obediência ao necessário atendimento do contraditório. Em contrapartida, todavia, pode-se concluir que, muito embora seja imprescindível e garantido constitucionalmente, o contraditório, não raras vezes, pode ser diferido ou postergado; dependendo das especificidades da lide, não havendo falar em inconstitucionalidade, ou mesmo ilegalidade, de tal comportamento, e sim efetividade da tutela pleiteada, uma vez que a própria Constituição Federal não apregoou tal esforço, pautando-se apenas na possibilidade de manifestação precedida de ciência. Assim, prudente se faz contrabalancear os pormenores postos em julgamento, logrando proporcionar a igualdade processual devida em cada caso concreto, atendidas situações de urgência, ou nivelando outras evidentemente desiguais, assegurando-se sempre a oportunidade de insurgência e participação da parte adversa. Certamente, outras hipóteses de diferimento poderão surgir; obviamente legitimadas pela legislação infraconstitucional, entretanto, fundado nos ideais de justiça, igualdade e democracia, jamais se poderá descartar o atendimento ao contraditório, sob pena lesar, mortalmente, o Estado Democrático, nem, por outro lado, poder-se-á pregar-se o engessamento do momento para o atendimento do contraditório, sob pena de tornar a tutela jurisdicional “injusta” ante aos anseios da sociedade. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROSO, Carlos Eduardo Ferraz de Matos. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento, Editora Saraiva, volume 11, São Paulo, 2007. DINAMARCO, Cândido Rangel. 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